Brasil ainda engatinha na reciclagem de ferro e só executa 1/4 do que deveria.

Brasil ainda engatinha na reciclagem de ferro e só executa 1/4 do que deveria.

O índice insignificante de reciclagem pode ser explicado pelo maior uso de matéria-prima virgem pelas siderúrgicas, pelo baixo valor pago aos catadores e processadores, além da dupla tributação.

O cenário da sucata ferrosa reflete as contradições presentes no setor de reciclagem no Brasil, onde a maior parte dos materiais que poderiam ser reutilizados ainda são desperdiçados, seja por descarte inadequado ou pela ocupação desnecessária em aterros sanitários. No setor siderúrgico, apenas cerca de 25% dessa matéria-prima é incorporada na produção de aço bruto, enquanto a ociosidade nas empresas processadoras chega a cerca de 40%. Esse desequilíbrio é evidenciado pelo fato de que o Brasil dobrou suas exportações de sucata ferrosa entre 2018 e 2023, aumentando de 356.123 toneladas para 799.994 toneladas nesse período.

Em 2022, segundo dados do Instituto Aço Brasil, o país produziu 34 milhões de toneladas de aço bruto, incorporando 8,9 milhões de toneladas de sucata ferrosa. Em 2023, a produção caiu para 32 milhões de toneladas, com uma redução proporcional no reaproveitamento de sucata para 7,7 milhões de toneladas, mantendo a proporção de uso em cerca de 25%. Essa baixa taxa de reciclabilidade pela indústria de aço não é um evento isolado.

De acordo com um estudo setorial do Sindicato do Comércio Atacadista de Sucata Ferrosa e Não Ferrosa do Estado de São Paulo (Sindinesfa), após um aumento no consumo de sucata metálica entre 2005 e 2013, a proporção de sucata na produção de aço bruto começou a cair sistematicamente até 2017. Apesar de uma estabilização em 2018, nos anos de 2019 e 2020, o reaproveitamento foi ainda menor que em 2016. Isso reflete uma tendência de menor utilização de sucata na produção de aço nacional, o que contrasta com a tendência global de maior incorporação desse tipo de material nas indústrias siderúrgicas.

Desafios e Greenwashing na reciclagem no Brasil
Clineu Alvarenga, presidente do Instituto Nacional da Reciclagem (Inesfa), estima que 5 milhões de pessoas atuam na reciclagem de materiais diversos no Brasil, desde catadores até processadores e transportadores. Ele afirma que, se dadas as condições, essa cadeia poderia suprir toda a demanda de reciclagem do país. Alvarenga destaca que os processadores de sucata de ferro representam um dos segmentos que mais evoluíram nos últimos 70 anos, possibilitando a reciclagem de todos os tipos de materiais ferrosos.

Alvarenga também enfatiza que o aço, sendo 100% reciclável e infinitamente reutilizável, é um material com grande potencial de descarbonização, já que cada tonelada de aço contendo sucata ferrosa reduz as emissões de gases de efeito estufa em cerca de 70%. Ele defende que a reciclagem precisa ser incentivada, considerando seus impactos ambientais e socioeconômicos. No entanto, ele também critica a preferência das grandes fabricantes por matérias-primas virgens, o que aumenta a demanda por extração de minérios, consumo de água e energia, além de elevar as emissões de carbono. Essa prática contradiz os discursos de sustentabilidade das empresas, resultando em uma imagem de greenwashing.

Alvarenga levanta a questão da falta de engajamento político nas discussões sobre reciclagem, criticando a ausência de incentivos tributários para materiais recicláveis na Reforma Tributária recentemente aprovada. Ele questiona por que os materiais recicláveis foram tributados em 26,5%, sem qualquer diferencial em relação a outros produtos, alertando para o agravamento da poluição em rios e lagos.

Além disso, o presidente do Inesfa aponta desafios macroeconômicos que impactam toda a cadeia produtiva da reciclagem, como a dupla tributação para produtos com materiais recicláveis, o baixo valor pago aos catadores e processadores, e as falhas na coleta seletiva no Brasil. Ele destaca que o quilo da sucata ferrosa pós-consumo é vendido às indústrias por cerca de R$ 1,00, enquanto aparas pré-consumo, sem impurezas, valem até R$ 1,50 por quilo. Esses preços, puxados para baixo após a pandemia, somados aos custos operacionais elevados, resultaram na falência de muitas empresas de reciclagem. Na base da cadeia, os catadores recebem no máximo R$ 0,50 por quilo, enfrentando uma grave crise social.

As empresas processadoras que ainda operam no mercado, como as siderúrgicas, estão trabalhando com apenas 60% de sua capacidade instalada, afetadas por indicadores econômicos fracos e pela competição com o aço chinês, que chega ao Brasil com preços mais baixos. Alvarenga conclui que é necessário cobrar mais dos representantes políticos, especialmente nas eleições municipais, para garantir compromissos com as questões ambientais.

O Inesfa criticou o Decreto 12.106, popularmente conhecido como “Lei Rouanet da Reciclagem”, que regulamenta o incentivo fiscal à cadeia produtiva da reciclagem. Segundo Alvarenga, o decreto exclui as empresas processadoras, que investem em tecnologia e são responsáveis pelo processamento dos materiais recicláveis.

Crise nas empresas recicladoras de sucata ferrosa Rafael Barros, diretor da Guarulhos Sucatas, uma empresa familiar com 45 anos de atuação, destaca a resiliência do setor de reciclagem durante a pandemia, quando muitas fábricas fecharam e o mercado recorreu ao setor de sucata ferrosa. No entanto, ele lamenta que o segmento agora enfrenta sua própria crise, com preços rebaixados e falta de valorização. A empresa, que processa mensalmente 15 mil toneladas de sucata de ferro, opera abaixo de sua capacidade devido à demanda retraída do setor siderúrgico. Barros defende a necessidade de valorização do trabalho das recicladoras para evitar que os materiais recicláveis acabem nos aterros sanitários, causando impactos socioambientais.

Renato Marchetti, sócio da Sudeste Paulista, uma processadora de sucata ferrosa com 50 anos de história, também lamenta a falta de valorização do setor, que emprega muitas pessoas e reduz a demanda por extração de matérias-primas da natureza. Marchetti defende que os processadores não são “atravessadores”, mas negócios de valor que enfrentam desafios como baixos preços pós-pandemia e falta de reconhecimento do setor siderúrgico. A empresa diversificou suas atividades com o gerenciamento de resíduos recicláveis e não recicláveis para se adaptar ao cenário adverso.

Marchetti argumenta que, para fortalecer a cadeia de reciclagem no Brasil, é necessário diferenciar a tributação, fortalecer a coleta seletiva e investir na qualificação técnica dos profissionais. Ele também destaca a importância de políticas públicas que incentivem o setor e de uma educação que conscientize a sociedade sobre os impactos ambientais de seus hábitos de consumo.

fonte: https://oeco.org.br/reportagens/porque-o-brasil-recicla-somente-um-quarto-de-sucata-ferrosa-e-a-cadeia-opera-na-ociosidade/

gule

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